sábado, 31 de março de 2012

O prolongamento de uma impunidade

Mais um 31 de março chega, e lá se vão 48 anos da eclosão de um abjeto golpe de estado que jogou o Brasil numa pútrida e ignominiosa ditadura militar. Porém, ao contrário de países vizinhos, que passaram pelo mesmo drama mas, ainda hoje, estão punindo os seus causadores, o Brasil, depois de quase meio século, insiste em manter impunes os torturadores e assassinos que lançaram-no num período de trevas. Os setores que promoveram o golpe seguem atuantes, talvez enfraquecidos, mas não desmobilizados. A cada vez que se fala em tomar medidas para punir devidamente os criminosos da ditadura, saem a berrar que a anistia de 1979 era para ambos os lados, e que, portanto, não há reparação a ser buscada pelas vítimas do regime de exceção. O argumento é cínico. Como muito bem coloca o jornalista Juremir Machado da Silva, em sua coluna de hoje no jornal Correio do Povo, a anistia foi um artifício dos golpistas que concedeu "perdão" a quem já tinha sido punido por sofrer com todo o tipo de ações arbitrárias e violentas e um modo de evitar que quem foi responsável por tais atos viesse a pagar por eles. Na verdade foi anistia para um lado só, pois enquanto os opositores da ditadura pagaram com a própria vida por seu idealismo, seus algozes seguem soltos pelas ruas. O Brasil precisa, para honrar a memória dos que tombaram pela defesa da liberdade, punir, exemplar e definitivamente, todos os que atuaram no espúrio golpe. Não é admissível, também, que em nome da liberdade de expressão, pessoas continuem a defender a ditadura, quer seja com cerimônias alusivas à data do golpe, ou com artigos que o exaltem. Tais cerimônias devem ser consideradas ilegais, por ofenderem a condição democrática vivida, atualmente, pelo país, e seus promotores, portanto, ainda que sejam altas autoridades militares, devem ser severamente punidos, o que deveria incluir, até mesmo, a detenção, e a exclusão das Forças Armadas. Os que escrevem artigos rebelando-se contra ações do governo que objetivem o esclarecimento dos crimes da ditadura, ou insistam em exaltar aquele período, devem, da mesma forma, responder perante a lei por sua atitude. A liberdade de expressão não contempla o direito de se defender o golpismo, a supressão da normalidade institucional, as torturas, os assassinatos. Não é mais possível ser condescendente com quem praticou atos tão bárbaros. O 31 de março deveria ser instituído como uma data de luto nacional, pois, nesse dia, a liberdade foi ferida de morte.

O humor que agride

Já houve quem dissesse, com razão, de que só existem dois tipos de humor: o engraçado e o sem graça. Fazer humor está longe de ser uma tarefa fácil, pois exige talento. Porém, entre os ingredientes para fazer alguém rir não devem constar a grosseria, o preconceito e a vulgaridade. Chico Anysio, recentemente falecido, foi uma demonstração clara de como é possível fazer humor, sendo por vezes bastante incisivo, sem apelar para baixezas. Mesmo quando abordava questões como a homossexualidade, em personagens como Painho e Haroldo, Chico não o fazia de modo ofensivo ou discriminatório. No entanto, de uns tempos para cá, foi surgindo uma nova forma de fazer humor em que os limites do bom gosto foram totalmente rompidos. Os adeptos de tal vertente humorística consideram, ao que parece, que nenhuma abordagem pode lhes ser vedada, pois isso cercearia sua liberdade de criação e expressão. Ocorre que, felizmente, nem todos partilham de tal visão. Em setembro de 2011, durante uma edição do programa "CQC", da Rede Bandeirantes, o humorista Rafinha Bastos fez uma alusão estúpida e grosseira sobre a cantora Wanessa Camargo e seu filho, que estava por nascer. Rafinha, que já tinha "pisado na bola"  em outras ocasiões e se retratado, dessa vez enfrentou uma reação mais dura para seus excessos e, num primeiro momento, foi suspenso por tempo indeterminado do programa, ao qual acabaria por não retornar. Mais tarde, deixou a Bandeirantes e assinou contrato com outra rede de televisão. Parece, contudo, que o fato não serviu de exemplo. Há poucos dias, por ocasião da passagem da data que marcava os 52 anos de nascimento do cantor e compositor Renato Russo, falecido em 1996, Danilo Gentili, outro humorista saído das fileiras do CQC, disse que "Renato Russo estaria completando 52 anos... se tivesse usado camisinha". Para alguns, tomara que muito poucos, a tirada de Gentili pode ter soado engraçada. Para mim, e espero que para a grande maioria das pessoas, foi apenas estúpida, grosseira e homofóbica. Usar a passagem da data como mote para debochar da condição sexual do artista foi algo abominável e desprezível. Revela um comportamento machista, típico de uma sociedade autoritária, incompatível com os tempos democráticos que vivemos no país. Tal e qual seu ex-colega, Gentili "pisou na bola". O tipo de humor que abraçaram, incrivelmente, não faz rir, a não ser aos néscios. Ao contrário, para quem tem um mínimo de sensibilidade, só gera desprezo e indignação.