quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Campeões do mau humor

O fato de nos defrontarmos com uma determinada situação durante anos não faz com que, necessariamente, nos acostumemos com ela. Faço essa afirmação porque, embora nascido, criado e domiciliado no Rio Grande do Sul, não consigo me acostumar com a crônica vocação dos gaúchos para o mau humor e a infelicidade. Basta ler algumas coisas nos jornais de Porto Alegre, nesses primeiros dias do ano, para entender ao que me refiro. Na edição de ontem de um jornal, um cronista revela que, depois de alguns anos, resolveu passar o Revéillon em Porto Alegre e não no litoral. O texto faz uma louvação da decisão tomada, com seu autor referindo o fato de que a cidade estava tranquila, não havia filas nos supermercados nem nos cinemas, e sobravam lugares nos restaurantes. Hoje, na mesma publicação, outro cronista descreve uma Porto Alegre de ruas vazias, quase desabitada nesses dias de festas e início de veraneio. Apesar do cenário desolador da sua narrativa, o autor do texto não parece estar lamentando o fato, pelo contrário, dá a impressão de que tal quadro o agrada. Em outro jornal da capital gaúcha, hoje, na seção de cartas, um leitor mostra-se inconformado com a duração dos espetáculos pirotécnicos de Ano Novo nas principais capitais brasileiras e o grande número de fogos de artifício que são gastos em tais festividades. Conforme o leitor, por menor que seja o gasto com os fogos, esse dinheiro poderia  ser melhor aplicado em creches, hospitais e escolas. Acrescenta o autor da carta que em Sidney, na Austrália, o espetáculo de fogos durou bem menos que nas cidades brasileiras, e que não entende o porquê de se comemorar tanto uma passagem de ano, como se fosse a última de nossas vidas. Na mesma seção outra carta questiona o rigor que fez com que a Usina do Gasômetro fosse fechada por falta de estrutura para combate a incêndios, enquanto bares e casas noturnas que expõem seus frequentadores a riscos e perturbam o sossego público são tratados com condescendência. Por trás de todas essas manifestações, tanto as dos cronistas como as dos leitores, está visível a vocação do gaúcho para a infelicidade. O maravilhoso e saudável jeito de ser de cariocas e baianos, com sua exaltação do viver, seu gosto pelas festas e celebrações, é classificado, por muitos gaúchos, como coisa de vagabundos e desocupados. Por aqui, os fogos de Ano Novo são vistos como uma crueldade para os ouvidos de cães e gatos, bem mais sensíveis que os dos seres humanos. Os bares e casas noturnas são tidos como antros de permissividade e desordem. Em vez de celebrar a vida,  o gaúcho parece ter obsessão por defender o direito ao sossego. O argumento é o de que as casas de diversão são barulhentas, não permitindo que quem mora em seu entorno possa descansar após um dia árduo de trabalho. Ora, tanto quanto é direito de alguns buscar o sossego, o é de outros tantos de se divertir. Certos argumentos chegam a ser ridículos, pela pobreza de seu conteúdo. É o caso  do leitor já citado acima que acha que os recursos gastos com fogos seriam melhor aplicados em creches, escolas e hospitais. Trata-se de um discurso demagógico e falso moralista. Primeiro porque os gastos com fogos são de valor irrisório diante do que necessitam esses estabelecimentos. Em segundo lugar porque, muito provavelmente, o leitor em questão, apesar da manifestação que faz, não deve ter por hábito contribuir do seu próprio bolso com tais instituições. Há alguns anos, algumas personalidades da capital gaúcha criaram a Sociedade dos Amigos de Porto Alegre (SAPA), uma instituição sem sede nem estatuto, que visava difundir a ídeia de que, no verão, bom mesmo é ficar em Porto Alegre e aproveitar seu trânsito calmo, seus cinemas sem filas, seus restaurantes com várias mesas á disposição. Isso numa cidade que não tem praia, nenhum ponto turístico, e que, nessa época do ano, apresenta um calor sufocante. O gaúcho, por não saber ser feliz, incomoda-se com a felicidade alheia. Vive mergulhado num estado de mau humor. Não é por acaso que, embora esses dados sejam pouco divulgados pela imprensa, Porto Alegre seja a capital brasileira que, percentualmente, tem o maior número de jovens que consomem drogas, e o Rio Grande do Sul é o estado do país onde mais ocorrem suicídios. A vida não combina com o silêncio, ela é, naturalmente, buliçosa, movimentada, trepidante, frenética. Se você acha isso um absurdo tente pensar no primeiro lugar que lhe vem a mente como sendo absolutamente silencioso. Muitos  lembrarão, logo, de um cemitério. Afinal, lá todos estão mortos.