sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Os outros

Algumas vezes, nos deparamos com alguns textos cujo conteúdo vai tão ao encontro do que pensamos que temos a impressão de que foram escritos por nós mesmos. Assim se passou comigo ao ler o artigo "Nós, os desordeiros", de João Ubaldo Ribeiro, publicado na edição dessa semana da revista "Veja", o que mostra que, por vezes, essa publicação oferece algo mais do que o lixo ideológico de direita que tenta nos impingir. Em seu artigo, escrito tendo por mote o morticínio brasileiro no trânsito, João Ubaldo destaca a propensão do brasileiro, quando fala mal do Brasil, de fazê-lo referindo-se ao país ou ao seu povo na terceira pessoa. Dizemos que o brasileiro é isso ou aquilo, e que tem esse ou aquele defeito, como se não fôssemos, igualmente, brasileiros. Me identifiquei, particularmente, com a colocação que João Ubaldo faz sobre o tratamento que temos em relação aos políticos. Nos referimos a eles, diz ele, quase como se fossem marcianos ou de uma espécie diferente da nossa, e não de pessoas nascidas e criadas da mesma forma que nós. Esse trecho mexeu comigo pois penso exatamente o mesmo, e várias vezes usei a mesma exemplificação de João Ubaldo como argumento. João Ubaldo prossegue analisando essa maneira peculiar do brasileiro de encarar a realidade, em que o povo do país é classificado como bom, honesto, pacífico, gentil, entre outras qualidades, sendo apenas observador e vítima de atos de corrupção, desrespeito, má conduta e negligência praticados por outros, genericamente identificados como "eles". Como bem destaca João Ubaldo, não há "nòs" e "eles". Somos todos frutos de uma mesma sociedade, e refletimos seus valores e descaminhos. Não há um povo "honesto", sofrendo nas mãos de políticos corruptos e transgressores de todos os tipos. Na verdade, praticamos, todos nós, deslizes e atos que afrontam a ética mais elementar. Não há inocência em nosso comportamento. Se o país, cada vez mais, nos desconforta por sua leniência com os malfeitos, sua corrupção galopante, sua injustiça social gritante, sua péssima distribuição de renda, isso não é obra de um grupo de malfeitores, mas, sim de todos nós. Nessa construção tão defeituosa em sua estrutura social, e eticamente deformada, não há os "outros" como culpados. Somos todos responsáveis pelo Brasil que aí está. Ele é reflexo de todos nós, não uma obra de alguns. Enquanto não admitirmos isso, qualquer mudança do país para melhor torna-se inviável.