sábado, 21 de fevereiro de 2015

Verdades irrebatíveis

A edição da revista "Veja" que chegou às bancas nesse fim de semana traz, em suas páginas amarelas, uma entrevista com a advogada francesa Marine Le Pen, candidata favorita nas eleições para presidente da França que ocorrerão em 2017. Marine pertence à Frente Nacional, partido de extrema direita fundado em 1972 por seu pai, Jean Marie Le Pen. O curioso é que, mesmo com essa orientação ideológica, Marine recebeu críticas de "Veja". Tudo porque, segundo a revista, Marine manifesta "aversão ao liberalismo e antiamericanismo", o que provaria que esquerda e direita se encontram nos extremos. "Veja" sustenta que, nesse caso, esquerda e direita estão unidas pelo nacionalismo, como isso fosse algo negativo. Por mais que se discorde da ideologia de Marine, como é o meu caso, não há como não destacar o acerto de várias de suas afirmações na entrevista. Marine declara que seu partido, que ela nega ser de extrema direita, é uma organização patriota, que preza o Estado-nação, o nacionalismo econômico, a independência diplomática em relação aos Estados Unidos e defende uma imigração controlada. Convenhamos, nada há de errado com tais conceitos. Um Estado com forte identidade nacional, com uma economia soberana, independente da influência diplomática americana é o que deveriam buscar todos os países que tenham pretensões a ser algo mais do que uma república das bananas. A questão da imigração é mais controvertida, tem muito a ver com o ranço xenófobo típico da direita, mas é certo que ela exige um ordenamento, não pode ser feita de forma indiscriminada. Em relação à economia da Europa, Marine diz que o continente, um dos mais ricos do mundo, está falido, o que teria começado com a adoção do euro. O desemprego e a pobreza explodiram, declara Marine, que acrescenta que as políticas de austeridade criaram um sofrimento imenso. Marine vai adiante e afirma que no século XX houve dois tipos de totalitarismo: o comunismo e o nazismo. Para Marine, os de hoje são o islamismo, que quer impor a lei muçulmana a tudo, e a globalização, que reconhece apenas os interesses do comércio. Em relação a vitória do partido de extrema esquerda Syriza em recentes eleições na Grécia, Marine reconhece que é uma sigla que defende muitas ideias totalmente contrárias às da Frente Nacional. Porém, Marine apoia a decisão do povo grego de tomar as rédeas do seu destino e de recusar os mandos da União Europeia. Marine revela que admira a luta dos gregos para escapar da escravidão que lhes foi imposta pela dívida que contraíram. Como se vê, até mesmo num partido de direita há quem consiga analisar os fatos com lucidez e rejeite a receita tão ardorosamente defendida por "Veja" e outros orgãos da grande imprensa brasileira, que inclui um americanofilismo servil, a expansão sem restrições da globalização, e a aplicação de medidas de "austeridade" cujo único propósito é preservar os interesses de empreiteiras e bancos, impondo sacrifícios à sociedade. Os conceitos proclamados por Marine Le Pen em sua entrevista, são, quase todos, verdades irrebatíveis. Eles não pertencem a nenhuma corrente ideológica, são próprios de seres humanos capazes de pensar com autonomia, recusando o papel de meros instrumentos de sórdidos interesses econômicos transnacionais.