terça-feira, 5 de novembro de 2013

O direito ao sossego

O campo do Ararigbóia, no bairro Jardim Botânico, é um dos mais tradicionais locais do futebol de várzea em Porto Alegre. No entanto, a Secretaria de Esportes de Porto Alegre determinou que ele não receberá mais jogos do Campeonato Municipal de Várzea. Conforme o secretário de Esportes, José Edgar Meurer, a decisão ocorreu após pedidos dos moradores locais, que alegavam violência durante as partidas, barulheira e sujeira. A ocorrência de um homicídio no local, no domingo passado, reforçou os argumentos de quem queria a suspensão dos jogos no Ararigbóia. Uma arquiteta que reside há sete anos na frente do campo de futebol disse que é injusto que os moradores não possam usar o parque nos finais de semana porque ele está lotado de "gente que não é daqui". "Nossa comunidade não faz parte deste campeonato", acrescentou a arquiteta que, curiosamente, não quis se identificar, por temer represálias. Mais uma vez, em nome do direito ao sossego, setores da classe média de Porto Alegre tomam medidas contra os divertimentos populares. Claro que um homicídio é um fato grave, mas daí a usá-lo como pretexto para proibir os jogos no Ararigbóia vai uma grande distância. A própria Brigada Militar afirma que o fato destoa da rotina do local, cujas ocorrências, em geral, envolvem perturbação da ordem, gritaria, som em alto volume ou alguma briga, todas elas controláveis. Na verdade, a proibição de jogos no Ararigbóia é mais um ato de segregação de estamentos da classe média contra as comunidades de periferia, que constituem o seu público majoritário. O mesmo já havia sido feito quando o Carnaval foi retirado da zona central da cidade e levado para um local ermo, o Porto Seco. A face perversa de um estado tradicionalmente conservador e elitista se faz sentir mais uma vez. Numa cidade tão carente de alternativas de lazer, nem o divertimento proporcionado pelo futebol de várzea é tolerado. Afinal, a "respeitável" classe média tem direito ao seu sossego. Duro, revoltante mesmo, é ver, novamente, a administração municipal ceder a esse tipo de pressão.