sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Vício autoritário

O Brasil, infelizmente, é um país que padece de um vício autoritario. A democracia ainda é algo raro e exótico no país. O período de continuidade democrática iniciado em 1985 e que vem até os dias de hoje é o maior da história do Brasil. Antes disso, só um outro, muito breve, entre 1946 e 1964. Afora isso, tudo o que se teve no país foram regimes autoritários ou simulacros de democracia. A consequência disso é que o conservadorismo, o apreço pela censura e a simpatia pelas soluções de força se enraizaram no íntimo dos brasileiros. Muitos acham que só uma ditadura é capaz de colocar o país nos eixos, outros clamam por censura aos meios de comunicação, em nome da moral e dos bons costumes. Essa visão tacanha e retrógrada por parte de muitos brasileiros não é novidade, o chocante é quando figuras que encarnaram ideais de rebeldia e contestação adotam um discurso semelhante. Há, atualmente, no Brasil, um movimento de personalidades do meio artístico que tenta inibir a produção de biografias não autorizadas. O grupo, que entre outros tem Caetano Veloso, Djavan, Jorge Mautner e Paula Lavigne, quer que os biografados tenham acesso prévio ao texto da obra e, também, a uma porcentagem do faturamento. Trata-se de uma proposta censória, por um lado, e argentária, por outro. Biografias são obras de grande interesse para a memória de um país. Se submetidas a uma verificação prévia de seu texto, tendem a se tornar insossas ou laudatórias, excluindo partes que, justamente por serem mais impactantes e polêmicas, são as que mais despertam o interesse do leitor. Ah, dirão alguns, mas é justamente isso o que se quer evitar, ou seja, a exposição de fatos de sua intimidade que o biografado não queira trazer a público. Porém, uma personalidade pública não pode querer reger a sua vida pelos parâmetros de um cidadão comum. As noções de privacidade que se aplicam aos mortais comuns não se estendem às pessoas de sucesso. Sua vida, ao contrário da dos anônimos, desperta grande interesse. Tudo o que a elas se refira, e não apenas a sua obra em si, chama a atenção do grande público. Ressalvados os casos de exploração sensacionalista ou de difusão de inverdades e calúnias, facilmente enquadráveis pela legislação já existente, não há razão para se cercear a elaboração de biografias. Esse é o lado censório do movimento. O outro lado, é o argentário. Não há justificativa para que os biografados recebam porcentagens do faturamento das biografias. No Brasil, as tiragens de livros são baixas, ninguém enriquecerá escrevendo biografias. Essa não é a primeira vez que artistas se voltam contra obras do gênero. Roberto Carlos conseguiu tirar de circulação um livro sobre sua vida que em nada o comprometia ou prejudicava e, posteriormente, entrou na Justiça para impedir o lançamento de uma obra sobre a Jovem Guarda. O que os artistas precisam entender é que, a partir do momento em que se tornam figuras públicas, eles ganham fama e dinheiro, mas perdem o direito á privacidade. Suas vidas, pelo interesse que despertam, não mais lhes pertencem. Excetuadas as abordagens escandalosas ou inverídicas, as biografias são obras de grande interesse para a memória cultural de um país. Sua produção deveria ser, cada vez mais, incentivada, nunca desestimulada.