sexta-feira, 21 de junho de 2013

Distorção emblemática

O técnico do Inter, Dunga, é uma figura sempre envolvida em polêmicas com a imprensa. Isso ocorre, basicamente, por dois motivos. O primeiro é que Dunga é um sujeito irascível, do tipo que se irrita por qualquer coisa. O outro é que o técnico julga-se injustiçado e perseguido pela imprensa, instituição pela qual nutre indisfarçado rancor. Sua mágoa iniciou quando o fracasso da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1990 foi identificado como "Era Dunga". Bem, embora o técnico considere essa definição uma injustiça, ela não ocorreu de graça. Permanece nítido na retina dos brasileiros o lance em que Maradona deixa Dunga estatelado no chão antes de fazer o lançamento para Caniggia que redundaria no gol da vitória da Argentina e na eliminação da Seleção Brasileira naquela Copa. Ainda assim, Dunga permaneceu na Seleção, e levantou, como capitão, a taça do título da Copa de 94. Dunga, então, foi à forra. Ao receber a taça, disparou palavrões. A partir daquele momento, passou a ter um relacionamento cada vez mais tenso com a imprensa, o que se agravou quando tornou-se técnico da Seleção. O leitor desse texto deve estar se perguntando, no entanto, o que tudo isso tem a ver com o título acima. Explico. Em mais um de seus embates contra a imprensa, Dunga cobrou do repórter Fabrício Falkowski, do jornal "Correio do Povo", (cujo sobrenome não conseguiu pronunciar corretamente) o fato de que ele teria criticado o exercício da função de comentarista por parte do técnico, escrevendo que "hoje em dia qualquer um pode falar sobre futebol". Dunga, para variar, ficou extremamente ofendido com tal observação e, também como de costume, partiu para o ataque. Disse que descobriu que o repórter formou-se em jornalismo em 2009 e, então, disparou: "Em 2009 eu já havia disputado três Copas do Mundo como jogador, e trabalhado em duas como jornalista". Acrescentou: "Realmente, você tem razão, hoje em dia, qualquer um pode falar sobre futebol". A intenção de Dunga, óbvia, é a de dizer que ele está qualificado para falar sobre o assunto, e Fabrício Falkowski, não. Nada mais falso, e é aí que entra a distorção emblemática de que trata esse texto. A opinião de Dunga é um retrato do que pensa a média do povo brasileiro. Afinal, quem não conhece a frase "quem sabe, faz, quem não sabe ensina"? Historicamente, e isso explica muita coisa sobre o país, o brasileiro médio despreza o ensino formal e glorifica a experiência prática, os que se formaram na "escola da vida". Os jogadores de futebol, e Dunga foi um deles, costumam ironizar ou agredir aqueles que os criticam sem "nunca ter chutado uma bola". Ocorre que para analisar e comentar futebol não é necessário ter chutado uma bola, mas é indispensável saber interpretar o que se vê em campo e possuir vocabulário qualificado e fluência para transmitir impressões para o público. No país de Gilmar Mendes, o nefando ministro do Supremo Tribunal Federal que extinguiu a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão, realizando o sonho acalentado pelos barões da grande imprensa, Dunga se sente no direito de dizer que, em duas Copas do Mundo, trabalhou como "jornalista". Não, Dunga, isso é falso. Se um jornalista, no seu entender, não pode falar de futebol por não ter jogado, você não pode atuar na função de jornalista, porque, nem mesmo o mais desqualificado profissional da área usa a palavra "menas", como você costumeiramente faz. Porém, Dunga e grande parte da população brasileira não percebem essa distorção. Afinal, as grandes redes de televisão, aos poucos, foram eliminando os comentaristas jornalistas, e, na busca do apelo fácil de audiência, substituindo-os por ex-jogadores que agridem o idioma e acabam com a paciência de qualquer espectador com maior grau de exigência. Ex-jogadores como Neto, Ronaldo Fenômeno e Ronaldo Giovanelli, de baixo nível instrucional, escasso vocabulário e pouca desenvoltura diante das cãmeras, tomaram o espaço antes ocupado por nomes como Sérgio Noronha, Márcio Guedes, Juca Kfouri, entre outros. Como explicar, por exemplo, que, na hierarquia de comentaristas da Rede Bandeirantes, Neto esteja na frente de Mauro Betting? Como se vê, é uma distorção, e emblemática, do valor que se dá à educação formal no Brasil.