segunda-feira, 28 de março de 2011

O público e o privado

Os veículos da grande imprensa brasileira tem se referido com insistência, nos últimos dias, a tentativa do governo federal de destituir o presidente da Vale, a maior empresa privada brasileira, Roger Agnelli. A suposta intenção é tratada como algo quase criminoso, pois tais orgãos de imprensa julgam ser uma indevida interferência estatal na esfera privada. Os defensores do neoliberalismo acham, por certo, muito natural que a Vale, antes estatal, tenha sido uma das tantas empresas privatizadas pelo governo FHC, em troca de moedas podres, num atentado ao patrimônio público. Agnelli é exaltado, por exemplo, pela revista Veja, na edição dessa semana, como "um executivo focado no negócio e pouco permeável a ingerências governamentais". A revista argumenta que, por diversas vezes, Agnelli, teria contrariado os "cardeais petistas".Um dos motivos de tal contrariedade foi a demissão de 1300 funcionários da Vale no auge da crise financeira mundial. Claro, pela singular lógica neoliberal, o governo deveria ficar indiferente a tal volume de demissões, pois o assunto não lhe diz respeito. A publicação acrescenta que  o governo tem a mineradora como uma "indutora do desenvolvimento", no que denomina  de velho linguajar estatizante, mas que a Vale insiste em cumprir seu destino de empresa privada e fazer o que é bom para os acionistas. Na maneira privada de enxergar o mundo, uma empresa tem é que gerar lucros e remunerar seus acionistas. Jogar 1300 funcionários no desemprego é algo, por certo natural, faz parte do negócio. Pois quero dizer que o governo faz muito bem em interferir na Vale. Não me sensibilizam os argumentos de que Agnelli mais que decuplicou o lucro da empresa e multiplicou seu valor de mercado por quase vinte, tornando-a a segunda maior mineradora do mundo, como afirma a mesma revista Veja. Empresas como a Vale tem sim de serem indutoras do desenvolvimento, não beneficiando apenas acionistas privados, mas servindo como mola propulsora do crescimento do país. Por isso mesmo, o governo deveria ir mais além e não apenas influir para a troca do presidente da empresa. Deveria reestatizá-la, restituindo um patrimônio de todos os brasileiros.

A lei ao pé da letra

Permanece, ainda, em todos os meios de comunicação, o assunto da aplicação da chamada "Lei da Ficha Limpa". Como se sabe, há alguns dias, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a referida lei não pode ser aplicada em relação à eleição de 2010. O argumento utilizado é o de que a aplicação da lei já no ano de 2010, feriria o que estabelece o artigo 16 da Constituição, segundo o qual mudanças nas regras valem apenas na eleição do ano seguinte ao da promulgação da lei. Esta foi a posição defendida pelo relator da matéria, ministro Gilmar Mendes. A votação estava empatada em 5 x 5, até que o mais novo integrante da casa, ministro Luiz Fux, desempatou, votando com o relator. Assim, decidiu-se que a Lei da Ficha Limpa não é aplicável em relação à eleição do ano passado. Em sua argumentação, Gilmar Mendes disse que havia o risco de se abrir um perigoso precedente e de que Hitler e Mussolini também se basearam em alguns princípios éticos para justificar toda sorte de abuso. Para recordar os mais esquecidos, Gilmar Mendes é o mesmo ministro que livrou a cara do banqueiro Daniel Dantas e que concede habeas-corpus em profusão para corruptos notórios, alegando que não se pode criar um Estado policialesco. Foi Gilmar Mendes, também, que eliminou a exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalista, comparando-a com a de cozinheiro, atendendo a uma velha aspiração dos proprietários dos meios de comunicação. Não demorou para que veículos da grande imprensa saudassem a decisão quanto a Lei da Ficha Limpa, exaltando o fato de que a Constituição foi respeitada. No entanto, cinco dos onze ministros do Supremo entenderam de modo diferente. O ministro Carlos Ayres Britto, por exemplo, disse que o candidato que desfila pelo Código Penal com sua biografia não pode ter a ousadia de se candidatar. Assim pensa, também, a maioria do povo brasileiro. O pior de tudo é que, devido a outras tecnicalidades e preciosismos jurídicos, até a aplicação futura da lei não está garantida, como advertiu o minsitro Ricardo Lewandovski. As leis, levadas ao pé da letra, ao que parece, só servem para garantir os interesses dos poderosos e frustrar as aspirações dos cidadãos.