segunda-feira, 26 de maio de 2014

A glória e o infortúnio

O futebol, como a vida, é feito de altos e baixos. Muitos dos que experimentam a glória nos gramados, são surpreendidos, mais tarde, pelo infortúnio. Nos últimos dias, o Brasil perdeu dois ex-jogadores que tiveram seus momentos de fama e reconhecimento: Joel Camargo e Washington. Em comum a ambos, um final de vida ditado por doenças graves e, no caso de Washington, extremamente precoce para os padrões atuais. Joel Camargo era zagueiro do Santos nos anos 60, e titular da Seleção Brasileira nas eliminatórias para a Copa do Mundo de 1970, sob o comando do técnico João Saldanha. Com a saída de Saldanha, o novo técnico, Zagallo, o convocou para a Copa, mas não o utilizou em nenhum jogo. Com o prêmio dado aos jogadores pela conquista da Copa, Joel comprou um Opala "vermelhão", como ele mesmo dizia, um carro de destaque para os padrões da época. Aí começariam seus problemas. No mesmo ano de 1970, na madrugada do dia 22 de novembro, um acidente marcaria a sua trajetória. O carro de Joel chocou-se contra um poste, e duas mulheres que o acompanhavam morreram no acidente. Condenado a um ano e oito meses de prisão por homicídio culposo e lesões corporais, Joel cumpriu a pena em liberdade, mas ficou marcado. Como jogador, nunca mais foi o mesmo. Saiu do Santos e foi para o Paris Saint-Germain, mas não teve sucesso. Voltou para o Brasil e jogou por clubes de pouca expressão. Encerrou sua carreira em 1973, com apenas 29 anos, e, desempregado, afundou-se no álcool. Desfez-se de todo o patrimônio que havia amealhado e até das medalhas que ganhara com o futebol. Passou a ser estivador. Trabalhou na estiva por mais de 20 anos, até se aposentar, aos 55. Magro e abatido, Joel, pouco antes de falecer, aos 70 anos, ainda se recuperava de uma cirurgia que lhe amputou um dos dedos dos pés por causa do diabetes. Viúvo ha cinco anos, morava sozinho. Dizia que jogara quase 10 anos pelo Santos, vira Pelé fazer mais de 1.000 gols, rodara o mundo, mas não ganhara dinheiro com o futebol. Em 2013, recebeu do governo federal o prêmio de 100 mil reais concedido a todos os jogadores que foram campeões mundiais pela Seleção Brasileira. A quantia lhe ajudou a pagar a cirurgia, mas, conforme Joel, chegou tarde. Poucos dias antes de sua morte, Joel perguntava: "A essa altura da vida, sem poder sair de casa, o que é vou fazer com esse dinheiro"? Washington teve um final de vida ainda mais triste. Atacante, seu grande momento na carreira ocorreu no Fluminense, onde foi campeão brasileiro e tricampeão estadual. Teve, também, breves passagens pela Seleção Brasileira. Goleador, formou com o meia Assis, no Atlético Paranaense e no Fluminense, o chamado "Casal 20", alusão a um seriado de tv da época. Faleceu com apenas 54 anos, vitimado pela esclerose lateral amiotrófica, uma grave doença neurológica que o acometera há anos. Seu aspecto alquebrado em nada lembrava o vigor dos tempos como jogador. Necessitava do auxílio permanente de enfermeiros. A vida pós-futebol de Joel Camargo e Washington mostra como a fama e a glória são fugazes. Num dia, estádios lotados, reconhecimento público, títulos, prêmios. Depois, a solidão, a doença, o ostracismo, as dificuldades financeiras. Para os amantes do futebol, fica a lembrança de dois jogadores que cumpriram muito bem o seu papel em campo.