quinta-feira, 2 de junho de 2011

A Lei da Mordaça

Em mais uma prova de que o Brasil está sofrendo a ação de forças que querem impedir a consolidação da democracia e da plena cidadania no país, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou ontem o projeto de lei 1.947/07, que torna crime a violação e o vazamento de informações de investigação criminal sob sigilo. O projeto, de autoria do deputado Sandro Mabel (PR-GO), seguirá, agora, para votação em plenário. De acordo com o que estabelece a proposta, é considerado crime a revelação ou divulgação de fato que esteja sob investigação em qualquer tipo de procedimento oficial. A lei abrange não só os servidores que facilitarem o acesso à notícia, mas, até mesmo, o jornalista que divulgá-la. A pena prevista é de dois a quatro anos de reclusão, além de multa. O relator do projeto, deputado Maurício Quintella Lessa (PR-AL), ao defender seu voto, disse lamentar que dados sejam, muitas vezes, lançados à opinião pública com o intuito de macular a imagem do investigado, o que, no seu entender, pode levar a danos irreparáveis à honra. O que incomoda os deputados, certamente, não é a possibilidade de alguém ser desonrado publicamente de forma injusta. Na verdade, o que os parlamentares desejam é impedir a imprensa de seguir com o seu trabalho de revelar suas falcatruas e deslizes. Com a volta do regime democrático e o fim da censura à imprensa, os meios de comunicação passaram a noticiar, maciçamente, os muitos desvios éticos e crimes cometidos pelos políticos. Por isso mesmo, os parlamentares tentam, de todas as forma, silenciá-los. O projeto de lei ontem aprovado é um acinte, um escárnio, algo totalmente incompatível com um país livre e democrático. As forças vivas do país tem de se mobilizar para que ele não venha a ser aprovado, sob pena de o Brasil, mais uma vez, ser exposto ao rídiculo no contexto internacional. Num país que prospera, economicamente, a olhos vistos, não se admite tamanho retrocesso institucional.

A Marcha pela Família

Os arautos do atraso e do preconceito não se dão por vencidos.  Passados 47 anos da "Marcha com Deus e a Família pela Liberdade", que ajudou a impulsionar a deflagração do execrável golpe militar de 1964, surge, agora, a "Marcha pela Família", de nome mais curto mas resultante dos mesmos grupos e buscando idênticos objetivos. Tal como em 64, o que os defensores da família querem é impor a toda a sociedade sua visão de mundo e defender a manutenção de seus privilégios. Há 47 anos, o alvo era a pretensa ameaça comunista. Hoje, o inimigo a ser combatido é a lei 122, que criminaliza a homofobia. Ancorados em seus preceitos religiosos e preconceitos, os ativistas da tal marcha, pregadores de diversas crenças, querem continuar a exercer o que entendem ser um direito, ou seja, o de bradar e vociferar contra a homossexualidade, que consideram um pecado. Os defensores da marcha chegam a dizer que o Senado não tem poder para criar um "terceiro sexo", por meio de legislação. O Brasil parece condenado a retroagir, cada vez que se encaminha para notáveis avanços nos direitos sociais e na afirmação da cidadania. Tudo porque há pessoas que não se contentam em viver de acordo com suas próprias concepções, querem estendê-las a todos e perseguir quem nelas não se encaixa. Toda a pessoa é livre para crer no que bem entender. Há, até, quem acredite na existência de elfos e duendes! Por certo, é uma forma de escapismo, uma maneira de tornar a realidade menos dura, envolvendo-a num manto de idéias delirantes. Na mesma linha, todo e qualquer indivíduo pode aderir a uma religião ou seita e seguir suas pretensas verdades e revelações. O que não se pode, em hipótese alguma é, em nome do direito de professar uma fé e pregar sua doutrina, bater de frente com o direito dos demais cidadãos de estabelecerem suas escolhas de vida, ainda que isso fira seus dogmas religiosos. Aliás, o dogma já é, em si, algo que rebaixa a pessoa na sua condição de ser pensante e autônomo, pois é uma verdade pronta, que não pode ser discutida nem contestada, por estar, alegadamente, baseada em "revelações divinas". Com o nível de evolução cultural e científica que a humanidade já alcançou, não é possível conviver mais com tanto obscurantismo. Os governantes brasileiros, de olho apenas em votos e interesses de natureza política, muitas vezes cedem à chantagem de parlamentares que defendem as posições das diversas confissões religiosas. Isso não pode continuar. O Brasil não pode ser refém do atraso e do medievalismo. Cada um que cultive as suas crenças, mas sem tentar impor sua estreita e distorcida visão de mundo para toda a sociedade. Em vez de retrógradas marchas pela família precisamos, urgentemente, de uma "Marcha pela Cidadania Ameaçada".