sábado, 24 de março de 2012

Capitalismo predatório

A revista "Veja" é incansável na sua pregação do capitalismo sem restrições, de uma sociedade totalmente regulada pelo mercado. Em sua última edição, a revista traz, em suas páginas amarelas, uma entrevista com o economista Edward Glaeser, professor da Universidade de Harvard. Como a imensa maioria dos entrevistados dessa seção de "Veja", Glaeser é americano, já que a revista nutre uma verdadeira idolatria pelos Estados Unidos. O mote da entrevista é a afirmação de Glaeser de que os melhores lugares para se viver são as metrópoles e os grandes aglomerados urbanos, e não no campo, pois é neles que está a chave da "prosperidade". Glaeser diz que não há lugar melhor para se viver do que em uma grande cidade, pois é em ambientes de enormes aglomerações que os mais variados talentos podem conviver e aprender entre si, potencializando ao máximo sua capacidade criativa e inovadora. O economista sustenta, também, que só lugares com alta concentração de gente justificam investimentos em grandes museus, teatros, hospitais, escolas e universidades. Até aí, nada demais, Glaeser passeia pelo senso comum. No entanto, mais adiante, vem o que está por trás das ideias que defende. Glaeser, como não poderia deixar de ser dentro de uma visão neoliberal, entende que os problemas existentes nas grandes cidades são culpa dos governos. Segundo afirma, sempre que as autoridades decidem interferir com "mão pesada" no livre mercado, o cenário piora, e não é pouco. Glaeser argumenta que medidas intervencionistas dos governos acabam desequilibrando a lei da oferta e da procura no mercado imobiliário, causando a disparada dos preços. Isso acontece, diz, quando o estado impõe uma série de entraves à construção de prédios mais altos ou a demolição de outros ditos históricos. Em resumo, o economista declara que a oferta de imóveis escasseia por um misto de excesso de burocracia e "miopia ideológica". Porém, Glaeser não para por aí, e vai mais longe em suas colocações, questionando, por exemplo, se absolutamente tudo deve ficar de pé na paisagem urbana de Paris. "Cidades não podem se comportar como museus. Ainda que preservem seus tesouros, precisam também saber abrir mão do que é menos importante e se renovar", postula o economista. Glaeser acrescenta que, ao estabelecerem barreiras para a construção de arranha-céus os políticos encarecem o mercado e reduzem as chances de as pessoas viverem bem. Ora, a fala de Glaeser não passa de uma apologia descarada ao capitalismo mais selvagem e predatório. Derrubar prédios históricos para construir arranha-céus é uma absoluta insanidade! Ao contrário do que diz o economista, ninguém vive bem em arranha-céus, que servem apenas para a obtenção de lucro para os seus construtores, ao custo de degradar a vida nas cidades. Discurso idêntico ao de Glaeser pode ser ouvido nos mais variados lugares. Em Porto Alegre, por exemplo, o setor da construção civil mostra-se inconformado com restrições para a construção de prédios altos em determinadas regiões da cidade. Os argumentos são sempre pretensamente bem intencionados, em nome de uma necessária "renovação" da paisagem urbana, mas não passam de disfarce para uma sede desmesurada de lucro. Ao contrário do que diz Glaeser, as grandes cidades se mostram cada vez mais inóspitas, e isso não se deve aos governos, mas, pelo contrário, é ocasionado pela omissão dos políticos à ação predatória dos apologistas da sociedade de mercado.