segunda-feira, 13 de junho de 2011

A China como modelo

Para quem, como eu, já leu tanto ao longo da vida, nenhum texto deveria, por pior ou mais desarrazoado que fosse, gerar estupefação. Era o que eu pensava até ler o artigo intitulado "A ascensão da China", de autoria do economista Maílson da Nóbrega, publicado na edição dessa semana da revista "Veja". Maílson é aquele mesmo que, quando ministro da Fazenda do governo Sarney, levou o Brasil a ter a mais alta inflação da sua história. Notório defensor do neoliberalismo, da economia aberta e orientada pelo mercado, o ex-ministro faz uma ode à China, que considera o "maior fenômeno econômico da história". Ao longo do artigo, Maílson aponta o que entende terem sido as causas do êxito chinês, entre elas a de que, na política externa, seus diplomatas concluíram que o país não podia, nem deveria, tão cedo, "desafiar a dominância global dos Estados Unidos". Trata-se, no seu entender, da busca de uma "ascensão pacífica", muito diferente do que chama de "antiamericanismo da diplomacia petista". O texto segue nesse tom de desvario direitista, mas o melhor fica para o final. No último parágrafo, Maílson lembra que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o século XXI seria o do Brasil. Para Maílson, o atual século "está mais para ser o da China, salvo os riscos de uma futura abertura democrática". Espantoso! O mesmo Maílson que vocifera contra os governos petistas que, na sua visão, ameaçam a liberdade e a democracia no Brasil, acha que uma abertura no autoritário regime chinês poria em risco a ascensão econômica daquele país. Claro, Maílson não vive na China e pouco lhe importa que o crescimento econômico do país se dê as custas de trabalhadores em situação de quase escravidão, com uma altíssima carga horária e remunerações irrisórias. O que consola a quem lê textos como esse é que, apesar da insistente pregação direitista, o eleitor brasileiro e sul-americano já deixou claro o lado que escolheu. Brasil, Uruguai, Argentina, Bolívia, Equador e, agora, o Peru, escolheram a esquerda, e não há nenhuma perspectiva de mudança nessa opção, a médio prazo. Pelo contrário, é uma tendência que deverá se ampliar cada vez mais. Mesmo sabendo de sua inocuidade como fator de convencimento, no entanto, a leitura do artigo de Maílson me obrigará, mais uma vez, a recorrer ao sal de frutas. Meu estômago ainda não se acostumou a digerir certas coisas.