sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Clichês

Poucas coisas são mais desprezíveis do que os clichês, aquelas frases feitas, proferidas como grandes verdades, quase sempre de um conteúdo raso. Um exemplo disso ocorre, todos os anos, logo depois do Carnaval. Diversas pessoas enchem a boca para dizer: "Só agora o ano vai começar, verdadeiramente, no Brasil". A ideia que sustenta a frase é a de que, no Brasil, o jeito descontraído do povo faria com que os primeiros meses do ano, quando ocorrem as férias de verão e o Carnaval, fossem perdidos em termos de trabalho e produtividade. Afora o fato, já por si só execrável, de ser um chavão, a frase revela um pendor autodepreciativo tipicamente brasileiro. Na ãnsia de parecerem mais inteligentes, conscientes, ou qualquer coisa assim, muitos brasileiros disseminam a ideia, que é claro, se aplica aos demais e não aos enunciadores da frase, de que o país é habitado por um povo festeiro, indolente, pouco afeito ao trabalho, em contraste com os operosos moradores de outras paragens. Para tais pessoas, enquanto outros povos entregam-se ao trabalho e ao esforço em todos os dias do ano, o brasileiro cultiva o apego ao ócio. Trata-se de uma inverdade, carregada de preconceito, fruto daquilo que o dramaturgo Nélson Rodrigues definiu como sendo o "complexo de vira-latas" que acomete o Brasil. Não é verdade que o brasileiro trabalhe pouco. Nossa carga horária está entre as maiores do mundo ocidental. Na França, por exemplo, a jornada média é de 35 horas semanais, muito menor que a brasileira. Afora isso, o brasileiro recebe uma baixa remuneração, incondizente com o número de horas trabalhadas e o esforço dispendido. No entanto, apesar de tão sofrido e explorado, nosso povo traz, dentro de si, a vocação para a alegria. Num país ensolarado, de litoral tão extenso e clima tropical, a tendência para a extravasão e o divertimento é mais do que natural. Longe de nos diminuir, é algo que nos faz um país único, uma rota turística invejável, que atrai e seduz os que enxergam a vida por uma ótica menos ácida e arrogante. Em geral, os propagadores da frasesinha idiota não passam de patéticos exemplares de uma burguesia pretensiosa, que discorrem sobre a alegada preguiça alheia enquanto alternam petiscos com goles de espumante. O ano no Brasil começa e termina tal e qual nos outros lugares. A diferença, que, ao contrário do que se diz, nos é extremamente favorável, é que nosso povo não tem compromisso com o mau humor, a ranhetice, a sisudez, o amargor. Para aqueles que, por não gostarem do Carnaval, esse espetáculo belo e grandioso e tão tipicamente brasileiro, o utilizam como parâmetro para a sustentação de suas ideias preconceituosas e rasteiras, aplica-se a máxima presente na letra de uma música, conhecida por várias gerações, que diz que "quem não gosta de samba, bom sujeito não é. Ou é ruim da cabeça, ou doente do pé".