terça-feira, 15 de abril de 2014

O futebol é um espelho da sociedade

No domingo, o Flamengo tornou-se campeão do Estado do Rio de Janeiro com um grave erro de arbitragem. Perdia o jogo por 1 x 0 para o Vasco, resultado que dava o título ao adversário, quando, aos 45 minutos do segundo tempo, empatou a partida, num lance em que o autor do gol, Márcio Araújo, estava impedido. Como o resultado lhe favorecia, o Flamengo tornou-se campeão. Um título injusto, ganho na razão direta de um erro de arbitragem. O goleiro do time, Felipe, no entanto, não se constrangeu com o fato, e disse que "roubado é mais gostoso". Uma declaração infeliz, deplorável, mas que mostra que o futebol é um espelho da sociedade brasileira. Não satisfeito com essa afirmação logo após o jogo, Felipe voltou a se pronunciar, hoje. Entre outras coisas, disse que o termo "roubado" tinha sido muito forte, mas que as pessoas não podem querer que o futebol seja politicamente correto num país de tantas práticas corruptas. Acrescentou que essa exigência de correção está tirando a graça do futebol, que está, segundo ele, nas provocações e gozações, embora sem violência. Felipe declarou ainda que perdeu oportunidades na sua carreira, inclusive na Seleção Brasileira, por ser autêntico e dizer o que pensa, mas que não se arrepende de ser assim. Com seu comportamento, Felipe mostra, de maneira clara, as mazelas éticas do povo brasileiro. Seu argumento de que não se pode exigir correção no futebol num país tomado pela corrupção é cínico e mau caráter. O futebol europeu já deu várias demonstrações de que o futebol pode e deve ter ética dentro do campo, de que não é válido buscar a vitória a qualquer preço. Na Europa, adversários e os próprios torcedores reprovam o comportamento de jogadores que simulam faltas e se atiram ao chão buscando ludibriar o árbitro. Tais jogadores receberam por lá a alcunha de "piscineros", pelos mergulhos que dão no gramado em busca de cavar faltas. Muitas vezes, jogadores que tiveram um pênalti consignado em favor de seu time foram até o árbitro para esclarecê-lo de que sua marcação foi equivocada. Essas manifestações não são "politicamente corretas" nem revelam que seus autores sejam "trouxas". Elas são a demonstração dos pilares éticos sobre os quais deve se assentar uma sociedade. No esporte, em particular, a higidez moral se faz ainda mais necessária. Ele é um meio de congraçamento entre as pessoas e de educação para a vida. A busca das vitórias e dos títulos, mesmo que o esporte desperte paixões vulcânicas e envolva muito dinheiro, não pode se dar num clima de vale tudo, atropelando a ética. Pena que Felipe não tenha consciência disso, e vários de seus companheiros de profissão pensem como ele.