sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Democracia sucateada

Tem sido comum, nos últimos tempos, o ataque da imprensa de direita aos governos que representariam, no seu entender, uma ameaça aos princípios democráticos. Todo e qualquer governante que coloque o poder do Estado em favor dos interesses maiores da população, que não se submeta aos ditames do Fundo Monetário Internacional, que questione as barbaridades cometidas em nome da "liberdade de imprensa e de expressão", que amplie o número e a abrangência de programas sociais de auxílio aos mais necessitados, é logo "brindado" com uma série de definições pejorativas. Fiel ao seu ideário de Estado mínimo, essa vertente da imprensa ataca esses governantes com termos como "populista", "caudilhesco", "autoritário", "superado". Esse comportamento se intensificou pela inconformidade desse tipo de imprensa com a nítida opção pela esquerda feita pela maioria do eleitorado da América do Sul. Brasil, Argentina, Uruguai, Equador, Bolívia e Venezuela são, atualmente, governados pela esquerda, sem que haja perspectiva, a médio prazo, de mudança na orientação de voto do eleitorado. O Chile, sempre citado como modelo pelos neoliberais, aventurou-se a eleger um presidente de direita, e enfrenta, como consequência, momentos de séria tensão social. A verdadeira ameaça á democracia é de outra natureza, e essa, obviamente, a imprensa de direita não denuncia. Pelo contrário, procura desqualificar quem o faz. Trata-se da gradual substituição do poder do Estado pelo das grandes corporações e organismos financeiros internacionais. Em inspirado artigo publicado hoje num jornal de Porto Alegre, o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, sabidamente um intelectual na acepção da palavra, alerta para o sucateamento da democracia, caracterizado por instâncias de poder externas ao Estado, de caráter privado, que afrontam a soberania popular. Tarso usa como exemplo o que ocorre, no momento, com a Grécia, que vive enorme crise financeira. Após a aprovação, pelo parlamento, de cortes dos salários dos programas de proteção social e previdência pública, o governo da Grècia resolveu submeter tais medidas a um referendo. A decisão do governo grego foi logo atacada, de modo direto, pelo capital financeiro e pelas agências de risco. Esses organismos, como destaca Tarso Genro em seu artigo, são os poderes fácticos que superpõem a sua vontade às instituições formais do Estado. Tarso pondera que, após os direitos sociais, serão os direitos políticos a próxima vítima do modelo neoliberal. O que está em jogo, atualmente, argumenta o governador, não são somente as finanças públicas e privadas mundiais, mas o modelo democrático-representativo, cujo poder de decisão vem sendo aceleradamente solapado pelas forças do mercado. Essa sim, é a grande ameaça que paira sobre todos nós.