sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Descritério

Algumas coisas no Rio Grande do Sul são mesmo muito estranhas, ou pior, verdadeiramente incompreensíveis. Não é novidade, para quem aqui habite, a diferença de tratamento espantosamente desigual da crônica esportiva local em relação aos seus dois maiores clubes de futebol, Grêmio e Internacional. Historicamente, desde que se instituiu o jornalismo esportivo por essas paragens, a preferência pelo Inter é escancarada, sem disfarces. Isso, obviamente, não é algo correto, nem deveria ser aceito passivamente, mas, enfim, afora ferir mortalmente a prática do bom jornalismo, não coloca em risco a vida de ninguém. O problema maior é quando orgãos públicos dos quais dependem a segurança dos cidadãos agem em desconformidade com o rigor técnico necessário na sua atividade, e tomam decisões com critérios diferentes para situações análogas. Todos ainda se lembram do estardalhaço feito pela Brigada Militar e Corpo de Bombeiros em relação a área da Arena do Grêmio destinada à Torcida Geral. Maximizou-se um incidente ocorrido no jogo Grêmio x LDU, pela Pré-Libertadores, quando alguns gradis cederam em função da "avalanche", ferindo torcedores. Imediatamente, Brigada e Bombeiros vieram a público para exigir o fim da avalanche e que a área da Geral também recebesse cadeiras, como no restante do estádio. Tudo em nome da "segurança". O fato de que a colocação de cadeiras no local reduziria a capacidade do estádio de 60.500 pessoas para 52 mil não foi levado em conta, ou seja, danem-se os interesses do clube e de seus torcedores. Estabeleceu-se um longo e estressante debate em  torno do assunto. O Grêmio, felizmente, não cedeu na questão das cadeiras, mas teve que concordar com o fim da "avalanche", colocando mais gradis na área, o que reduz a capacidade do estádio para 55 mil pessoas. Pois bem, depois de tamanha queda de braço em relação às dependências do mais moderno e bonito estádio do Brasil, os mesmos orgãos, Brigada e Bombeiros, aprovaram, a toque de caixa, a instalação de arquibancadas móveis no Estádio do Vale, do Novo Hamburgo, a fim de aumentar sua capacidade de seis mil para 15 mil pessoas, possibilitando a sua utilização pelo Inter em jogos do Campeonato Brasileiro. Ontem, quando o Inter fazia apenas o seu terceiro jogo no local, e com um público de pouco mais de duas mil pessoas, parte das arquibancadas móveis vergou, fazendo com que imaginemos a tragédia que poderia ocorrer se o estádio estivesse lotado. O próprio Inter, preocupado, já deseja solicitar para a CBF que seus jogos voltem a ser realizados no Estádio Francisco Stédile, em Caxias do Sul. Porém, o assunto extrapola o terreno esportivo, é uma questão de segurança pública. Trata-se de uma conduta escandalosa por parte da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros. Escandalosa por ter sido irresponsável e facciosa, colocando vidas em risco. Um total descritério em casos muito semelhantes. Rigor excessivo para com um estádio seguro, que acabara de ser inaugurado, e condescendência para com a ampliação, em prazo mínimo, de um estádio acanhado, com a colocação de arquibancadas móveis, que, por si só, não inspiram segurança. Não é possível que fatos como esses passem batidos, sem a cobrança aos responsáveis. São acontecimentos tão graves que merecem a intervenção do governador do Estado para o seu esclarecimento. A segurança das pessoas tem de estar acima de tudo, não pode ser posta em risco por decisões irrefletidas dos orgãos ditos responsáveis. Constatar que tais instituições não ajam com a isenção e o profissionalismo que deveriam ser obrigatórios, tratando de forma diferente as mesmas situações, conforme as partes envolvidas, já é, por si só, revoltante. Se isso implica em ameaça à integridade física das pessoas, é, simplesmente intolerável. Esperemos, em nome do interesse público, que o assunto não caia no esquecimento, e que uma satisfação, se é que é possível, seja dada á opinião pública.