domingo, 15 de fevereiro de 2015

Carnaval manchado

Desde que se transformou num espetáculo milionário, o desfile das escolas de samba da avenida Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro convive com uma promíscua relação com a contravenção. Os homens que comandam as escolas de samba, na sua maioria, são bicheiros. Ganhando muito dinheiro com o jogo do bicho, eles bancam as escolas e são adorados por suas comunidades. Na medida em que o Carnaval do Rio de Janeiro foi ganhando importância midiática e repercussão internacional, outras fontes de recursos, eticamente discutíveis, foram surgindo. No Carnaval de 2006, a PDVSA, a petrolífera estatal da Venezuela, injetou dinheiro em uma escola de samba. Agora, é o governo da Guiné Equatorial que fez uma doação de R$ 10 milhões para a Beija-Flor, que abordará o país em seu enredo no Carnaval desse ano. O fato por si só, já não parece algo adequado, e se torna pior quando se sabe que a Guiné Equatorial é presidida pelo ditador Teodoro Obiang Nguema há 35 anos. Obiang acumula uma extensa lista de acusações de violações de direitos humanos, e é o oitavo líder mais rico do mundo, com uma fortuna estimada em R$1,7 bilhão. Sua família possui mansões, carros e propriedades nos Estados Unidos, França e Brasil. A Guiné Equatorial é um pequeno país, de apenas 700 mil habitantes. A população é extremamente pobre, o estado é rico. A Beija-Flor se defende ressaltando as "melhorias" para a população promovidas pelo governo da Guiné Equatorial. Alega, também, querer divulgar a trajetória do povo da Guiné Equatorial. A verdade é que tudo isso cheira muito mal, e o Carnaval de 2015 está manchado. Por que uma escola de samba escolheria para seu enredo a homenagem a um país minúsculo, de apenas 700 mil habitantes, se não fosse pela injeção de recursos recebida? Dessa forma, o Carnaval, uma das maiores expressões culturais do Brasil, mergulha no mercantilismo que invade a sociedade como um todo, deslustrando a festa. A Beija-Flor, que deve a sua ascensão ao comando do bicheiro Aniz Abraão David, de ficha nada limpa, agora recebe dinheiro de um ditador. Deplorável!