sexta-feira, 26 de abril de 2013

A privatização da paixão

O futebol, já faz um bom tempo, transformou-se num negócio, uma indústria altamente rentável. Vai longe a época do "amor à camiseta". Transações de valores astronômicos e jogadores milionários tem sido a tônica desse esporte que mobiliza multidões. O torcedor, contudo, ainda tinha acesso aos jogos por preços relativamente razoáveis. Agora, isso também ficou para trás. As novas arenas, e os antigos estádios que estão sendo reformados no Brasil, estão levando a uma elitização do futebol. O roteiro seguido é o mesmo da privatização de outros setores. Argumenta-se que é preciso dar mais conforto e qualidade aos estádios, que o torcedor necessita ser melhor tratado, que não é aceitável que alguém assista a um jogo em pé ou em condições pouco favoráveis de visibilidade. Parte-se, então, para a construção ou reforma de estádios dentro do chamado "padrão Fifa". Logo a seguir, sob a alegação de que os clubes, ou o Estado, no caso de estádios públicos, não possuem recursos suficientes para tocarem a obra, é constituída uma empresa gestora, de capital privado, para administrar a arena. Finalmente, os novos monumentos em forma de estádio são inaugurados, e o que era sonho vira pesadelo. Em nome do "conforto", estádios tem sua capacidade reduzida a menos da metade da original, casos do Maracanã e do Mineirão. Vias de acesso deficientes, ingressos caríssimos, bilheterias em número insuficiente, serviços e infraestrutura de má qualidade caracterizam as novas arenas. O Mineirão tem sido um eloquente exemplo desse quadro. Tanto na sua reinauguração quanto no jogo de quarta-feira passada, entre Seleção Brasileira e Chile, o torcedor foi maltratado das mais diversas maneiras. Na reinauguração faltou até água no estádio. No jogo da Seleção foi vendida comida azeda para os torcedores. O capitalismo selvagem, que não poupa nada nem ninguém da sua voracidade, conseguiu chegar, agora, na privatização da paixão. Brandindo argumentos ocos como "modernidade", "novos tempos", e outras vacuidades do gênero, que tanto impressionam aos incautos, descaracterizou o esporte das multidões. Onde antes se erguiam estádios capazes de comportar até 150 mil pessoas, dispondo de várias localidades a preço baixo ou razoável, num espetáculo transbordante de emoção, agora foram construídas arenas para menos de 80 mil assistentes, em lugares marcados e caros, matando a alegria e a espontaneidade do ato de torcer. Como sempre acontece quando a iniciativa privada se envolve com alguma coisa, o povo é deixado do lado de fora da festa.