terça-feira, 28 de maio de 2013

Futebol empresarial

O futebol é um esporte que desperta a paixão popular. Desde seu surgimento foi ampliando sua aceitação e se tornou um fenômeno de massas. Com o passar do tempo, com não poderia deixar de ser, os farejadores de lucros passaram a gravitar em torno do futebol, transformando-o num negócio gigantesco. Esse processo vem se ampliando aceleradamente, e, como efeito perverso, está virando as costas para os torcedores. Por incrível que pareça, o torcedor mais humilde, com poucos recursos financeiros, que com sua paixão construiu a grandeza do futebol, vem sendo deixado de lado. Os novos estádios são cada vez mais confortáveis e bonitos, mas com capacidade bem menor do que os antigos monumentos de concreto. Com isso, os ingressos se tornaram bem mais caros, elitizando o público que os frequenta. Essa era uma realidade que ainda não estava de todo presente no Brasil, mas a necessidade de atender as exigências da Fifa em relação à Copa do Mundo de 2014 fez com que vários estádios fossem construídos e outros tantos reformados, levando o futebol no país a um outro patamar. Muitos vibram com esse novo cenário. O eterno complexo de vira-lata de grande parte dos brasileiros faz com que sempre nos coloquemos em desvantagem com o que se pratica no exterior. Nossos estádios novos e reformados adquiriram uma feição europeia, o que desperta entusiasmo em muitas pessoas. Porém, como costuma acontecer no capitalismo, o futebol está se tornando um meio de encher o bolso de poucos privilegiados. A grande "solução" para as mazelas do futebol brasileiro passou a ser a adoção, nos clubes, de uma estrutura "empresarial". Em entrevista para a revista "Época", o ex-vice-presidente do Barcelona e atual CEO do Manchester City, Ferran Soriano, reforça esse pensamento. Soriano diz que todo clube deve ser gerido como uma empresa. Embora reconheça que há a relação social com os torcedores, afirma que é preciso gerenciar isso com inteligência e pouca emoção. Ferran Soriano acha que tudo fica mais difícil quando se permite que os torcedores votem na presidência e no conselho. "Os clubes com governantes correm o risco de se politizar demais", afirma Soriano. "A estrutura política dos grandes clubes não deixa os profissionais trabalharem", acrescenta. O CEO entende que é precisos esquecer "essa história velha de que quem gerencia o futebol o faz por paixão"..No seu modo de ver, em clubes que tem um dono as coisas se resolvem mais facilmente. Ferran Soriano considera que mexer com muito dinheiro pode dar margem à corrupção, e que a  profissionalização é a solução para esse problema. Poucas vezes li uma entrevista com argumentos tão cínicos e interesseiros. Ao contrário do que sentencia Soriano a eleição de presidente e conselheiros de clubes por seus torcedores é uma medida democrática e saudável. O torcedor, com sua paixão e apoio, é a razão de ser de um clube. Nada mais justo que seja ele a decidir quem deve administrá-lo. Por outro lado, se a profissionalização é a saída contra a corrupção, como explicar o que acontece na Itália? Lá, os clubes tem donos e são altamente profissionalizados, mas o futebol vive envolvido em escândalos de corrupção que estão minando sua credibilidade. As ideias de Soriano, é claro, serão aclamadas pelos deslumbrados de sempre, mas não vão frutificar no Brasil. O atual processo de elitização em curso no futebol do país, com o tempo, se mostrará inviável. Depois da Copa do Mundo de 2014, os preços dos ingressos terão de ser rebaixados, ou os estádios se transformarão em espaços vazios. O Brasil, nesse caso felizmente, não é a Europa. Aqui, queira ou não o senhor Soriano, o futebol é movido a paixão. Todas as tentativas de dar aos clubes uma feição empresarial redundaram em fracasso. A razão para isso, bastante simples, é que clube de futebol não é banco, não tem de dar lucro. Seu "lucro" são os títulos, que alimentam o entusiasmo dos seus torcedores, ampliando o seu número. O resto é conversa de quem, em vez de contribuir com o futebol, quer usá-lo para obter ganhos fáceis e vultosos.