quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Higienização

Uma reportagem levada ao ar pelo canal ESPN Brasil nessa semana mostra a realidade por trás da glamourização do futebol inglês e de sua "Premier League", denominação dada ao campeonato da primeira divisão do país. Tido como o mais rico campeonato nacional do mundo, e exaltado por sua competitividade, a Premier League é um fenômeno midiático, mas uma experiência frustrante para quem assiste aos jogos nos estádios. A reforma do futebol inglês, realizada no período de governo da abominável ex-primeira ministra Margareth Thatcher, legou ao país estádios modernos e confortáveis, mas sem calor humano. Antes ocupados por torcedores vibrantes, os estádios ingleses passaram a ter um clima de casa de espetáculos, como um teatro, algo totalmente incompatível com a natureza do futebol. A citada reforma foi feita em função da extrema violência dos "hooligans", torcedores baderneiros que tumultuavam o futebol inglês, e pela precariedade dos estádios, que, velhos e desconfortáveis, causaram tragédias por excesso de lotação. Porém, o remédio adotado não se mostrou adequado. Os estádios passaram a ser inteiramente ocupados por cadeiras, o que aumentou o conforto, mas elevou muito o preço dos ingressos, afastando os torcedores mais pobres. A falta de lugares para que se possa assistir ao jogo em pé, pulando e incentivando o time, inibe os torcedores, o que torna a atmosfera do estádio muito fria. Esse quadro está gerando uma reação na Inglaterra, onde já existe um movimento para que essa situação seja revista. Os ingleses argumentam, com razão, que no bem sucedido futebol alemão os estádios reservam espaços para que se assista o jogo em pé. Um brasileiro que se encontrava na Inglaterra, entrevistado para a reportagem da ESPN Brasil, revelou que imaginava que existiam diferenças entre o clima nos estádios nos dois países, mas não imaginava que elas fossem tão acentuadas. Ele não supunha que os estádios ingleses fossem tão frios, com os torcedores sendo obrigados a permanecer sentados, sob pena de serem advertidos pelos "stewards". Um jornalista inglês, também entrevistado para a reportagem, definiu bem a situação, ao dizer que o futebol local sofreu uma excessiva higienização. O pior é que o Brasil, no embalo dos estádios "padrão Fifa", construídos ou reformados para a Copa do Mundo, está indo pelo mesmo caminho. Futebol, definitivamente, não é teatro. Os estádios abrigam competições, não espetáculos, portanto, devem receber torcedores, não meros espectadores. O futebol, dentro de campo, pode, e até deve, primar pela beleza e plasticidade, mas sem nunca abrir mão da emoção e da participação ativa do público.