quinta-feira, 30 de maio de 2013

Impunidade

O Brasil costuma ser caracterizado, por usa própria população, como o país da impunidade. Não é por acaso. A Justiça brasileira tem por hábito ser rigorosa com os "ladrões de galinhas" e extremamente leniente com criminosos que pertençam a extratos superiores, economicamente, da sociedade. Para quem pode pagar bons advogados, os recursos jurídicos disponíveis com o intuito de procrastinar ou mesmo evitar definitivamente a devida punição de um réu parecem infindáveis. O resultado disso é o sentimento, disseminado entre os brasileiros, da ineficácia da Justiça como meio de se alcançar a reparação de crimes e ilicitudes. Nem mesmo diante da maior tragédia já ocorrida no Rio Grande do Sul esse quadro se alterou. O incêndio da boate Kiss, em Santa Maria, ocorrida no dia 27 de janeiro, que deixou um total de 242 mortos, causou comoção em todo o país e repercutiu, inclusive, no exterior. Foi resultado de um conjunto de irresponsabilidades e omissões. Os diversos implicados, em maior ou menor grau, na tragédia, foram sendo liberados de qualquer responsabilização, restando quatro pessoas que foram presas. Os quatro presos foram os proprietários da boate, Elissandro Spohr, o Kiko, e Mauro Hoffmann, e Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão, vocalista e produtor, respectivamente, do grupo "Gurizada Fandangueira". Ontem, numa atitude criticada pelo Ministério Público e que gerou revolta entre os familiares das vítimas, os quatro réus foram postos em liberdade pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça. Com a medida tomada, é grande o risco de que eles fujam do país. O promotor criminal de Santa Maria, Maurício Trevisan, discordou da posição do Tribunal de Justiça. Afora temer a fuga dos réus, Maurício Trevisan disse que se os desembargadores decidiram pela sua liberação por entenderem que não há mais risco para a ordem pública e clamor social, precisam ir a Santa Maria. Mesmo sem ir até lá, os desembargadores puderam ter uma ideia da repercussão da sua decisão assim que a votação foi encerrada. Familiares das vítimas que estavam presentes à votação manifestaram a sua revolta. Ao deixar o local do julgamento, Jáder Marques, advogado de Elissandro Spohr, o Kiko, foi atingido por um tapa desferido pelo familiar de uma das vítimas. O presidente da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, Adherbal Ferreira, deixou o tribunal chorando e afirmou: "Eu pensei que aqui houvesse justiça, mas me enganei feio". A dor e a revolta diante de tão injusta decisão não é só dos familiares das vítimas, é de todos os brasileiros que se comoveram com a tragédia de Santa Maria. Como sempre, os desembargadores justificaram seus votos com tecnicalidades jurídicas, alegando estarem na estrita observância do que determina a lei. Pois se é assim, a lei é falha, por ser permissiva e promover a impunidade. Nada pode ser pior para um país do que a convicção firmada entre seus habitantes de que o Poder Judiciário é ineficiente e, pior do que isso, injusto em suas decisões. Os brasileiros já tem essa percepção há muito tempo. A liberação dos quatro réus do incêndio da boate Kiss veio reforçar essa imagem. Infelizmente, por fatos como o ocorrido ontem, o Brasil seguirá sendo conhecido, aqui e lá fora, como o país da impunidade.

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