sábado, 12 de janeiro de 2013

Tradicionalismo

Nos últimos dias, em uma rede social, tenho visto a postagem de textos com declarações de personalidades como Arnaldo Jabor e Faustão em que são feitos elogios aos gaúchos por serem diferenciados, autênticos e dotados de um grande amor por sua terra. Essa autenticidade e apego ao seu chão, segundo Jabor, não são vistas em outras unidades da federação. O cineasta e comunicador surpreendeu-se, especialmente, pelo fato dos gaúchos conhecerem o hino do seu Estado e o cantarem com fervor. As postagens com as afirmações simpáticas aos habitantes do Rio Grande do Sul logo ganharam vários compartilhamentos de pessoas orgulhosas de sua terra natal. Por outro lado, na edição de hoje do jornal "Correio do Povo", há uma entrevista com o tradicionalista Lídio César Carvalho Marques. Natural de Cachoeira do Sul, Lídio é patrão do Piquete Grito do Quero-Quero, de Porto Alegre. Na entrevista, Lídio refere-se às tradições do Estado como "sagradas". No entanto, curiosamente, define o tradicionalismo como um "vício" que o acompanha nas 24 horas do dia. Perguntado sobre qual o seu sonho, Lídio respondeu que seria "voltar no tempo", quando os bailes de CTG's reuniam as famílias e eram um local saudável de encontros. Disse, também, que sonha ver o Movimento Tradicionalista receber o mesmo apoio que as escolas de samba. Tenho evitado de tocar no assunto, pois sei tratar-se de um campo minado, já que o tal "tradicionalismo" tem milhares de adeptos que reagem furiosamente a qualquer crítica que se faça ao movimento, mas não vou fugir da raia. A exaltação da "autenticidade" do povo do Rio Grande do Sul, de sua "singularidade", já extrapolou todos os limites do razoável. Em jogos de futebol em Porto Alegre, o Hino Nacional foi ignorado pelo público, que abafou-o cantando o Hino Rio-Grandense, uma atitude incivilizada e absurda. Cada vez mais, o Rio Grande do Sul se fecha em si mesmo, numa campanha de autopromoção delirante e descabida, que em nada contribui para o desenvolvimento do Estado. O "sonho" de Lídio Marques, de ver o tradicionalismo receber o mesmo apoio que as escolas de samba, revela o caráter sectário, preconceituoso e discriminador do movimento. Lídio finge esquecer que, ao contrário dos "tradicionalistas", que desfilam e acampam no centro de Porto Alegre, os adeptos do Carnaval foram "brindados" com a construção de um sambódromo num lugar ermo e distante, certamente para que os mesmos, na sua maioria negros e pobres, não perturbassem o sossego da parcela mais privilegiada da sociedade local. Lídio, como todos os tradicionalistas, despreza outras manifestações culturais. Preocupa-se em "preservar" as tradições. Todo o discurso do movimento é pontilhado de termos como "preservação", "defesa", "respeito", em que os não adeptos são vistos como inimigos, dispostos a corromper suas "sagradas tradições". Sua penetração midiática é impressionante, ocupando espaços, permanentemente, nos meios de comunicação. Porém, o tradicionalismo gaúcho é uma grande mitificação. Afinal, que tanta "tradição" pode ter um Estado cuja povoação se deu muito depois da maioria das demais unidades da federação? Nada tenho contra o fato de que alguém goste de andar "pilchado" ou frequentar fandangos, mas daí a criar um movimento onipresente no dia-a- dia das pessoas, vai uma distância muito grande. A única coisa que tal movimento preserva é o atraso do Rio Grande do Sul. O que, verdadeiramente, fomenta, é um insidioso e estúpido sentimento separatista em relação ao resto do país. Aquele que exalta em demasia suas supostas qualidades é porque nutre um sentimento íntimo de inferioridade em relação aos outros. O culto exagerado às "tradições" nada traz de benéfico para o Rio Grande do Sul, só o mantém em descompasso com a realidade.

4 comentários:

  1. Itajaí, 13 de janeiro de 2013.
    Caro Srº. Joaquim Fernandez:
    Tive a oportunidade de ler em seu blog o artigo referente à entrevista de Lídio Cesar Carvalho Marques. Concordo com sua opinião: O assunto é espinhudo, assim como religião e futebol, que já nos deram exemplos da estupidez humana, disfarçada em crença ou gosto esportivo. E longe que querer ser desagradável, acredito consiguirmos tratar deste assunto sem partir para ofensas pessoais.
    Sou integrante da Academia de Dança Gaúcha Tosquia e também da Associação Catarinense dos Grupos de Dança Tradicionalista Gaúcha, com sede em Itajaí, SC. Frequentemente presencio a falta de conhecimento e propriedade em algumas pessoas, quando estão a defender suas opiniões, e logo mais adiante, se desmentem nas atitudes do dia a dia. Quanto às palavras do Srº. Lídio, também me considero “viciada” pelas tradições da cultura gaúcha, pois tenho a mesma como filosofia de vida, onde a virtude, a honra, o nativismo, os valores familiares são as bases de minha conduta. E sou bastante criticada por isso. Continua...

    ResponderExcluir
  2. Aos torcedores que cantavam o Hino Riograndense durante a execução do Hino Nacional, concordo que foi atitude de desrespeito a este Símbolo Nacional, pois devemos considerar nosso amor primeiramente pelo País, depois pelo Estado. Porém, a atitude dos mesmos nos remete à reflexão. Que Nação é esta, em que seus cidadãos se identificam mais com a imagem regionalista? No que este País, como sistema, estaria falhando, para que estes cidadãos coloquem seu Estado acima da Nação?
    Sua opinião é de que o Estado do Rio grande do Sul é sectarista. Não o percebo desta forma. Percebo sim uma forma de reconhecimento ao amor pela história que este povo construiu, o que também se observa em outros Estados do Brasil, pois dentro da concepção da palavra Tradicionalismo, o povo gaúcho não é exclusivista. Percebe-se o tradicionalismo em cada música autênticamente sertaneja, no axé, forró, Festival de Parintins, etc, onde aqueles que vivenciam o momento o fazem com a alma, com o coração e sangue, defendendo sua cultura e crença, assim como os gaúchos. Porém a preocupação do Srº. Lídio é fundamentada. Existe a possibilidade de que o apelo econômico desvirtue a tradição. Assim como temos pessoas preocupadas em manter a essência de nossa história, também encontramos aqueles que não possuem tal postura.
    Continua...

    ResponderExcluir
  3. Ao ler o artigo no Jornal Correio do Povo, cheguei a me decepcionar, devido à importância do assunto. Pouco foi esclarecido. Quem sabe este tenha sido o motivo do senhor perceber o Srº. Lídio como pessoa que despreze outras manifestações culturais. Mas as colocações dele são sérias. A cada onda de modismo, perdemos espaço para conceitos duvidosos de respeito ao ser humano, onde atributos físicos a mais e tecidos a menos tomam força, em detrimento de valores como o respeito. Quanto aos comentários do Srº. Jabor e Fausto Silva, surpreende- me acontecer em momento pré- copa. Especificamente à segunda pessoa, em seu programa, em mais de uma edição, aconteceu o concurso Dança dos Famosos. Pôde-se ver o esforço de cada participante, mas não compreendi porque dentre os ritmos apresentados não estava ao menos um dos encontrados em nossa região. E vou mais longe: a mesma emissora destes senhores promoveu pouco tempo atrás um concurso de calouros, com quatro jurados, e nem um deles com o perfil cultural característico daqui, e ninguém questionou isso. Seríamos nós os separatistas? Existe Projeto de Lei, nº 926, de 2011, do Deputado Federal Giovani Cherine, PDT- RS, em que o autor busca o reconhecimento do Movimento Tradicionalista Gaúcho como patrimônio imaterial, cultural e histórico brasileiro, já tendo sido avaliado e recebido parecer favorável de dois relatores, que não são oriundo de nossa região. Justifica este projeto , conforme a segunda relatora, Srª Deputada Federal Alice Portugal, devido o MTG ser um órgão catalisador, disciplinador, orientador das atividades de seus filiados e entidades associativas, além de congregar mais de 1400 Entidades Tradicionalistas, legalmente constituídas.

    ResponderExcluir
  4. Quanto à representatividade do Brasil no exterior, como em shows comemorativos, não recordo ter assistido em algum momento alguma manifestação de nossa região. Parece que o Brasil se resume culturalmente, do Sudeste para cima. Enfim, Senhor Joaquim, penso que existem percepções diferenciadas sobre um mesmo assunto. Reconstruímos nossa cidadania brasileira diariamente, pois encontramos a incompreensão por nossa convicção e filosofia de vida e, ao contrário do que muitos pensam, dizem ou acreditam, temos o respeito pelas diferenças culturais de nosso povo. O que não encontramos com frequência são pessoas como o Deputado Federal anteriormente citado, que buscam o reconhecimento por mais uma das diferentes manifestações culturais que formam esta Nação. Perdoe- me, se em algum momento possa ter sido áspera ou de alguma forma grosseira com o senhor. Atenciosamente. Anelise Chiarelli, Patroa da Academia de Dança Gaúcha Tosquia, em Itajaí, e Membro Suplente do Conselho Fiscal da Associação Catarinense dos Grupos da Dança Tradicionalista Gaúcha.

    ResponderExcluir

O autor se reserva o direito de moderar os comentários. Textos com conteúdo ofensivo ou linguajar inapropriado não serão publicados neste espaço.